Bebidas
Argentina e Chile apostam em uvas pouco exploradas para seus vinhos
Não é uma impressão sua: os vinhos argentinos e chilenos dominam as prateleiras dos supermercados e das casas especializadas (e de muitos cardápios também). É porque eles estão no topo da lista de importações brasileiras, à frente de países tradicionalmente produtores da bebida, como França e Portugal, já há alguns bons anos – e consequentemente, são muito queridos (e consumidos) pelo público brasileiro.
Enquanto mantêm-se no topo, porém, os dois países estão passando por modificações em suas indústrias vinícolas. As grandes empresas produtoras chilenas e argentinas, que são responsáveis por muitos dos rótulos facilmente encontrados no Brasil, seguem fortes – assim como o Malbec continua sendo o vinho assinatura argentino. Mas aos poucos, outros elementos entram nessa cena: há pequenas vinícolas (várias delas familiares) que estão produzindo vinhos em escala menor e com uvas antes pouco exploradas – inclusive algumas típicas de seus países.
Novas cepas chilenas
O próprio Chile, que por muito tempo produziu vinhos apenas em uma região específica do país, está se aventurando por outras áreas com características interessantes. Até a britânica Jancis Robinson, considerada uma das maiores críticas de vinhos no mundo, falou sobre isso em um artigo que publicou em fevereiro: “há uma revolução a caminho”, disse ela, sobre o fato de que os produtores estão aos poucos escolhendo outros lugares que não o entorno de Santiago para suas vinhas. Além disso, estão cultivando variedades como Cinsault, Carignan, Muscat e País, até pouco tempo atrás ligeiramente esquecidas.
Um bom exemplo disso, como explica Wagner Gabardo, diretor da escola de sommeliers Alta Gama é o que está acontecendo na região do Maule, no centro do país. Lá, cerca de 15 produtores se uniram e resolveram valorizar as vinhas de Carignan e conseguiram o primeiro registro de denominação de origem (como Champagne é para a região de Épernay, na França, por exemplo) chileno: Vigno. Ou seja, neste caso, para que possam levar a denominação Vigno no rótulo, os vinhos precisam seguir certas regras, como ser 65% uva Carignan proveniente de plantações antigas, com mais de 30 anos de idade, e envelhecer por pelo menos dois anos antes de ser vendido (até a gigante Concha y Toro se rendeu, entrou na associação e está produzindo no Maule).
Argentina além do Malbec
A Argentina passa por processos semelhantes, com a valorização de regiões como San Juan, Patagônia (especialmente as variedades biodinâmicas, produzidas em pequenas quantidades) e Vale do Uco. “Os vinhos de San Juan estão surpreendendo, são completos, complexos, muito equilibrados – a uva Bonarda que, por muito tempo, ficou em segundo plano em detrimento do Malbec, hoje está em ascensão e dela estão vindo ótimos vinhos”, complementa Gabardo.
Junto com ela, as uvas brancas Torrontés e Chardonnay, como explica Guilherme Rodrigues, que é enófilo e colunista de vinhos do Bom Gourmet, também ganham espaço e merecem destaque. “A verdade é que a Argentina fez seu nome rapidamente em torno do Malbec, mas há muito mais que isso e que merece a atenção de quem gosta de vinhos”, diz.
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História
Por muito tempo, desde o século 19, os dois países fortaleceram a viticultura usando uma base sólida construída sobre vinhas de fora – como é o caso justamente dos Malbecs, cujas uvas são tradicionais do sudoeste da França, mas acabaram se dando bem na Argentina, especialmente em Mendoza. “Os norte-americanos, por exemplo, apreciam mais os Malbecs argentinos do que os que vêm da própria França, o que impulsionou muito essa indústria – e no fim das contas, eles acabaram caindo no gosto dos brasileiros também, que adoram vinhos exatamente assim, redondos e frutados”, explica Gabardo. Já o Chile, apesar de ter feito sua fama em cima de uma variedade maior de uvas (como Cabernet Sauvignon, Merlot, Carménère), por muito tempo foi focada em produzir vinhos apenas na região de Santiago.
Esse cenário se reflete no que encontramos nas prateleiras brasileiras, que mostram que os vinhos chilenos são os mais importados e consumidos aqui. “Os chilenos historicamente têm boa diversidade de tipos de uva, boa qualidade do produto final e indústria vinícola bem qualificada – o que não quer dizer que a Argentina não tenha uma indústria também excelente. Mas acontece que, por muitos anos, eles focaram apenas no Malbec e agora estão se esforçando para promover outros tipos de uva”, explica Guilherme Rodrigues.
Os mais queridos dos brasileiros
Os vinhos chilenos de fato lideram o ranking dos rótulos que vêm de fora com folga. Segundo dados da Secretaria de Comercio Exterior compilados pela União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), no ano passado foram importados 43.400.91 litros de vinho do país de Pablo Neruda, número que corresponde a quase metade das garrafas importadas no Brasil. Esses números não levam em conta os espumantes. Até o fim da década de 1990, os vinhos estrangeiros mais presentes por aqui eram os italianos, até que, entre 2001 e 2002, os chilenos tiveram uma guinada e pegaram a primeira posição. Ao longo dos últimos 18 anos, o volume da importação dos vinhos chilenos mais do que triplicou – em 1998, eles representavam 14% dos importados e chegaram a 49,10% em 2016.
Os argentinos hoje ocupam o segundo lugar, com 15,95% do mercado dos vinhos de fora em 2016, o que corresponde a 14.098.009 litros que vieram para cá no ano passado. Mesmo com números um pouco mais modestos que os de seu colega sul-americano, a Argentina veio galgando posições e também teve um crescimento expressivo nos últimos anos. Em 1998, por exemplo, o país ficava não apenas atrás do Chile e da Itália, mas perdia para Portugal, França e até Alemanha. Em 2003, o cenário tinha mudado de figura e os hermanos fincaram pé na segunda posição, onde permanecem até hoje.
Ou seja, do total de vinhos importados pelo Brasil no ano passado, 65,05% vieram do Chile ou da Argentina. A França, um dos mais tradicionais produtores da bebida, ficou com apenas 4,48% do total.
Dica
“Hoje Chile e Argentina estão explorando outras maneiras de vinificar – estão produzindo vinhos de excelente qualidade, mais versáteis e diferentes dos clássicos famosos por aqui. Por tanto, meu conselho para quem se interessa pelo assunto é ir justamente atrás desses rótulos (especialmente em casas especializadas e importadoras), experimentar, se arriscar e aceitar as dicas dos sommeliers.”
Wagner Gabardo, diretor da escola de sommeliers Alta Gama.
Wagner Gabardo, diretor da escola de sommeliers Alta Gama.
Pelo preço
Segundo Guilherme Rodrigues, enófilo e colunista do Bom Gourmet, para vinhos até R$ 60, dessas regiões, o ideal é preferir os jovens, com até cinco anos de vida. Para bons vinhos até R$ 120, até dez anos de vida. Entre R$ 150 e R$ 300, até 16 anos de vida. E a partir de R$ 300, vinhos até 20 anos.
Serviço
As taças usadas nas fotos desta reportagem são da Bergerson Presentes – Alameda Presidente Taunay, 45, Batel – (41) 3304-4426.