Bom Gourmet

Não é Natal, mas o espírito é o mesmo: banquete no deserto de Dubai preserva a arte ancestral da partilha

Fernando Henrique de Oliveira
Fernando Henrique de Oliveira
19/12/2025 16:45
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No deserto de Dubai, sentar-se à mesa é mais que comer: é saborear, compartilhar memórias e reforçar vínculos. Crédito: Platinum Heritage/Divulgação.

Enquanto no Brasil – e em boa parte do mundo – os últimos dias de dezembro são marcados pelos preparativos da ceia de Natal, com mesas que misturam heranças europeias, adaptações tropicais e o peru como protagonista, a comida segue cumprindo um papel universal: reunir pessoas em torno da partilha.
Em diferentes culturas, sentar-se à mesa é um gesto que atravessa o tempo, preserva memórias e reforça vínculos. No deserto de Dubai, essa lógica também se mantém – e ganha forma no jantar beduíno, que resgata práticas ancestrais de convivência, hospitalidade e sobrevivência.
Muito antes de Dubai se tornar símbolo de monumentalidade e futuro, o deserto já moldava o destino da região. Foi ali que os beduínos aprenderam a viver em um ambiente extremo, desenvolvendo uma relação profunda com a terra, os animais e o alimento.
Ponto final do safari da Platinum Heritage, acampamento beduíno recebe convidados para um banquete no qual tudo é tradição: do café árabe na entrada até a marcante carne de camelo entre os pratos principais. Crédito: Platinum Heritage/Divulgação.
Ponto final do safari da Platinum Heritage, acampamento beduíno recebe convidados para um banquete no qual tudo é tradição: do café árabe na entrada até a marcante carne de camelo entre os pratos principais. Crédito: Platinum Heritage/Divulgação.
Sobreviver exigia leitura atenta do ambiente, inteligência prática e respeito absoluto aos recursos disponíveis. Um pouco desse universo pode ser vivenciado em experiências como o Heritage Desert Safari, da Platinum Heritage, que propõe um contato cuidadoso com o deserto e com as tradições que ajudaram a sustentar esse território. O destino final: um verdadeiro acampamento beduíno.
Antes de embarcar, os participantes são paramentados com lenços tradicionais: a ghutra, para os homens, e o hijab, que cobre os cabelos das mulheres. É um gesto simples que ajuda a criar a atmosfera do percurso.
A travessia pelo deserto acontece a bordo de Land Rovers vintage dos anos 1950, veículos preservados como verdadeiras peças de museu, que reforçam o caráter autêntico da experiência. Entre dunas e vegetação resistente, o passeio atravessa áreas preservadas, revelando uma paisagem que, à primeira vista, parece silenciosa, mas guarda uma complexidade própria. O pôr do sol marca a transição para a noite e prepara o cenário para uma das expressões culturais mais emblemáticas do deserto: a falcoaria.
No Heritage Safari, a travessia pelo deserto é feita em Land Rovers vintage dos anos 1950. Crédito: Platinum Heritage/Divulgação.
No Heritage Safari, a travessia pelo deserto é feita em Land Rovers vintage dos anos 1950. Crédito: Platinum Heritage/Divulgação.
Muito antes de se tornar uma prática cultural preservada, os falcões foram essenciais como método de caça. Eram eles que auxiliavam na busca por alimento em um ambiente onde cada recurso era precioso. A técnica, aperfeiçoada geração após geração, transformou-se em símbolo de identidade e permanece viva como expressão de conhecimento ancestral.
Depois desse percurso – pelas dunas, pela história e pelos rituais do deserto – o visitante chega ao acampamento beduíno. O café árabe servido na recepção, acompanhado de tâmaras, não é apenas uma gentileza: é um gesto de hospitalidade profundamente enraizado na cultura local. Há ainda breves passeios de camelo, animal fundamental para a sobrevivência no deserto, antes que a noite avance e o jantar seja servido.
No jantar, a gastronomia beduína se revela em camadas. O cardápio reúne preparos que nasceram da necessidade, mas se consolidaram como tradição. As entradas chegam com pães feitos na hora, ainda quentes, preparados ali mesmo, acompanhados por pastas árabes de textura delicada e sabor direto, como o homus e a coalhada seca. São receitas simples na aparência, mas que exigem técnica, equilíbrio e respeito aos ingredientes.
Arte da falcoaria ganha demonstração exclusiva no safari. Crédito: Platinum Heritage/Divulgação.
Arte da falcoaria ganha demonstração exclusiva no safari. Crédito: Platinum Heritage/Divulgação.
Os pratos principais seguem a lógica do deserto: cocção lenta, uso criterioso de especiarias e aproveitamento integral dos alimentos. O cordeiro aparece como presença constante, resultado de rebanhos que, há séculos, fazem parte da alimentação beduína. Cozido por longas horas, o preparo valoriza a maciez da carne e concentra sabores que remetem à tradição transmitida de forma oral.
Entre os destaques do jantar, a carne de camelo desperta curiosidade. Menos gordurosa, ela tem sabor marcante e textura própria. No contexto beduíno, o camelo sempre ocupou papel central: além de meio de transporte, era fonte de alimento e subsistência. Seu preparo, geralmente em ensopados ou cozimentos prolongados, respeita o tempo do ingrediente e reflete uma relação ancestral com o deserto. A explicação dos cozinheiros durante o serviço ajuda a compreender que ali cada prato carrega história.
A culinária beduína nasce da adaptação ao ambiente, mas se sustenta como identidade cultural. Em um território onde nada podia ser desperdiçado, cozinhar era um exercício de sabedoria e partilha. O jantar no deserto traduz esse princípio: mais do que uma sequência de sabores, é um momento coletivo, que conecta passado e presente.
Acampamento beduíno é um convite a entrar num mundo de tradições. Crédito: Platinum Heritage/Divulgação.
Acampamento beduíno é um convite a entrar num mundo de tradições. Crédito: Platinum Heritage/Divulgação.
Além do jantar, a experiência integra um conjunto mais amplo de safáris oferecidos pela Platinum Heritage, com diferentes propostas de imersão no deserto. Há opções que incluem passeios ao nascer do sol, voos de balão, cafés da manhã tradicionais e até pernoites em acomodações inspiradas na arquitetura histórica da região. O safari heritage, realizado da tarde até a noite, é o que concentra essa vivência cultural completa, culminando no jantar beduíno.
O deserto de Dubai se transforma ao longo do ano. Em alguns períodos, especialmente durante o inverno do hemisfério norte, o clima é mais ameno; em outros, o calor se impõe com mais intensidade. Ainda assim, o deserto permanece como um espaço de descoberta em diferentes estações, desde que a experiência seja planejada de acordo com as condições de cada época.
Mais que comida: o banquete também traz dança, música e cultura de uma nação que cresceu na aridez do deserto. Crédito: Platinum Heritage/Divulgação.
Mais que comida: o banquete também traz dança, música e cultura de uma nação que cresceu na aridez do deserto. Crédito: Platinum Heritage/Divulgação.
Se Dubai ainda não faz parte dos seus planos futuros, talvez valha olhar além da cidade de linhas futuristas. No deserto que a cerca, há uma vida feita de tradição, sabores e histórias que ajudam a entender como esse território se construiu. Em tempos de celebração e encontros, a experiência do jantar beduíno se apresenta como outra forma – simbólica e profundamente cultural – de viver a partilha.