Bom Gourmet
Balcão, bebida, petiscos e tradição: assim se faz um izakaya, típico boteco japonês
Um típico izakaya em Tóquio, no Japão. Bigstock
São 116 anos de imigração japonesa comemorados nesta terça-feira, 18 de junho. A data marca a chegada dos primeiros imigrantes nipônicos ao Brasil. Consigo, trouxeram a cultura milenar da Terra do Sol Nascente e a gastronomia, uma das mais ricas e criativas do mundo. Nesse caldo repleto de costumes, culturas, crenças e valores, está um elemento cuja natureza se assemelha a algo bastante brasileiro: o izakaya.
A palavra izakaya é a soma das expressões japonesas "i" (sentar) e "sakaya" (loja de saquê). Essa mistura define suas intenções iniciais. A ideia era um estabelecimento que vendia bebidas alcoólicas e que oferecia espaço para o cliente se sentar e apreciar a bebida ali mesmo, na volta do trabalho para casa. A história aponta para a criação dessas casas no Período Edo, de 1603 a 1868. Pequenos e bastante simples, serviam de ponto de encontro de amigos quase diário. São como os pubs ou nossos tão amados botecos brasileiros.
Foi com o tempo que esses locais no Japão ampliaram o atendimento e passaram a incluir também comida no cardápio. E se estabelecem a partir de especialidades: alguns são focados essencialmente em bebidas - saques, cervejas, variedades do chu-hi (bebida alcoólica gaseificada criada no Japão); outros, incluem ainda pratos frios e quentes, mas os quentes costumam ser carros-chefes. A base dos pratos no Izakaya está muito ligada à comida de rua, como o karaage (frango frito com molho de soja, saquê, gengibre e alho), o tako tamago (espetinho de polvo com ovos de codorna) e o yakitori (espetinho de frango marinado em molho tarê, grelhado até que atinja textura defumada e suculenta).
"A alma do izakaya é o balcão", explica Agnes Akemi, gerente do Izakaya Tanuki, no Batel. "Sentar ali, depois de um dia de trabalho, tomar uma bebida", acrescenta. Outra tradição tipicamente japonesa é a de ir a um desses bares, tomar alguma bebida e sair de lá, ir a outro bar, para então comer alguma coisa.
Decoração simples, em alguns casos rústica, com lanternas de papel e manuscritos à mão em quadros-negros, pinturas típicas japonesas nas paredes, e um ambiente acolhedor caracterizam os 'botecos' nipônicos. A ideia é a mesma dos similares nacionais e dos pubs, famosos no Reino Unido: ser um espaço para encontrar os amigos, comer e beber bem e jogar conversa fora.
Uma experiência japonesa
Os izakayas começaram a ganhar popularidade no Brasil entre as décadas de 1980 e 1990, com uma espécie de renascimento do interesse pela cultura japonesa. Em São Paulo, essa busca ficou ainda mais evidente em estabelecimentos e atividades realizadas no bairro da Liberdade. Mas a movimentação aconteceu também em cidades com grandes comunidades nipônicas.
"Nosso cardápio e atendimento foram pensados para oferecer ao cliente a experiência de estar no Japão", informa Agnes. "A ideia é fazer a pessoa esquecer que está no Brasil. Toda a decoração é japonesa, maximalista. Tem bastante informação em todos os detalhes", sinaliza. Os itens decorativos estão todos ali, deixando claro que o ambiente é nipônico. A diferença do Tanuki para um Izakaya tradicional é que, no estabelecimento curitibano, a intenção é que o cliente permaneça no local por mais tempo, algo mais comum ao comportamento brasileiro.
No cardápio, pratos como o tonkatsu, prato da culinária japonesa criado no século 19, o takoiaky (bolinho de polvo), o guioza (nos sabores carne suína, bovina, frango, cogumelo, camarão e salmão), o yakitori (espetinho de frango) e o yakiniku (espetinho de carne) - "a grelha fica à mostra para o cliente", detalha Agnes. O menu inclui também o lámen, que caiu no gosto de muito brasileiro, sobretudo nos dias frios.
O atendimento do Tanuki, conta, é mais 'caloroso'. Os garçons explicam cada prato e como a casa funciona. Os pratos, em sua maioria, são porções feitas para serem compartilhadas, algo que está no DNA de um típico boteco japonês, já que a ideia do izakaya é que seja um local com comidas fáceis e rápidas de comer e que possam ser divididas entre amigos.
Os izakayas mais modernos vão além do conceito original do local pequeno, com um balcão apenas. Algumas casas tem tanto o balcão quanto mesas disponíveis, às vezes em um segundo andar. "Também temos mesas, mas nosso foco é mesmo o balcão", afirma. Outra variação desse modelo de estabelecimento envolve sushis no cardápio, algo que o Tanuki não oferece. E para seguir mais próximo dos originais, a casa conta apenas com uma sobremesa: o yaki moti, bolinho de arroz tostado na chapa com cobertura de mel ou shoyu de açúcar.
O Tanuki conta também com uma carta extensa de saques, uma das maiores do sul do país em um izakaya. São mais de 100 rótulos. A eles se somam as cervejas e também os uísques japoneses.
Adaptação ao paladar local
O GyozaBar mistura o conceito dos izakayas com a tradição dos restaurantes. A casa, no Alto da XV, aposta nos pratos quentes como destaque, e tem o gyoza de hammatsu como carro-chefe. "Diferentemente dos izakayas tradicionais, que geralmente têm espaços pequenos e íntimos com balcões, nosso ambiente é mais amplo e com a proposta de um restaurante", informa a proprietária Yummi Fujikawa. O objetivo, acrescenta, é proporcionar aos clientes uma experiência agradável tanto para quem procura por "momentos descontraídos com comidinhas para compartilhar e uma variedade de drinks, vinhos e saquês, quanto para quem busca um jantar completo", detalha.
Para se manter fiel ao conceito dos bares japoneses, o Gyozabar acrescentou ao gyoza de hammatsu alguns pratos agridoces. Mas para o gyoza, Yummi informa que foi necessária aplicar algumas adaptações para atender o paladar brasileiro. "Colocamos o gyoza de queijo com uma pimenta agridoce de abacaxi. O Yurinchi deixamos ele um pouco mais adocicada", acrescenta.
A casa deve oferecer em breve, no cardápio de inverno, lámens artesanais. Os pratos são preparados com um caldo que combina sabores de tonkotsu e tori paitan. Outros pratos feitos para serem compartilhados devem completar o menu. O Gyozabar conta também com um carta de drinks autorais.
Das séries e mangás ao dia a dia curitibano
"O Oidê tem a atmosfera e muito da temática de izakaya", dizem Keiko Mikoda e Willian Massami, sócios proprietários da casa. "O cardápio conta com vários itens típicos deste tipo de bar. Uma grande -diferença é que oferecemos uma série de coquetéis autorais e clássicos, [enquanto] normalmente nos izakayas as bebidas são menos elaboradas, como o high ball , chuhai, doses etc.
O karaage e o tonkatsu (empanado de porco), pratos típicos de um izakaya, estão entre os mais pedidos do Oidê, na Rua Brigadeiro Franco. O cardápio da casa oferece ainda yakisoba e katsudon, clássicos da culinaria japonesa, com atenção especial ao preparo artesanal dos molhos, apontam. Na carta de bebidas, claro, o high ball, e as variações técnicas da composição, mais opções não alcoólicas e a água, que assim como no Japão, também é oferecida de forma gratuita.
Os izakayas são lugares não apenas para matar a fome, mas também onde clientes e proprietários acabam muitas vezes se tornando amigos, dividindo experiências do dia a dia, e é aí que os frequentadores passam a se sentir mais à vontade. No Oidê, afirmam, acontece a mesma coisa. Clientes que chegam sozinhos à casa fazem amizades com a equipe e com outros clientes. "Um fenômeno que foi questionado desde a nossa abertura como sendo algo impossível de acontecer em Curitiba, mas que desmistificamos com muito prazer! O ambiente dos balcões e mesas compartilhadas funciona muito para gerar interações valiosas".
No Oidê, assim como no Tanuki, o balcão é o protagonista, um elemento fundamental na criação e tradição dos izakayas. O local é um elemento chave na conexão entre clientes e profissionais da casa, e é essa relação que garante a dinâmica de troca que os sócios procuram. "No Oidê, o balcão é o lugar mais disputado pelos clientes", revelam. Outro fator que marca a cultura da receptividade de um izakaya e é repetido tanto no Oidê quanto no Tanuki são as saudações na entrada e saída dos clientes em ambos os estabelecimentos.
No Tanuki, os frequentadores são recebidos aos gritos de "Irashaimase", "bem vindo" em japonês; no Oidê, o público é recebido do mesmo modo, e na saída, ouvem "arigatou gozaimasu", ou "muito obrigado". "Este ritual, do irashaimase e do arigatou gozaimasu, são mais do que a saudação ao cliente; são relevantes pontos de aviso para a equipe, demonstram cuidado e atenção com todo o fluxo de pessoas e ocupação do espaço", definem Keiko e Willian. Que se reconhecem como seres nikkei, e que por isso focaram em um projeto que fosse mais nipo-brasileiro do que exclusivamente japonês.
Para eles, a admiração despertada pela cultura asiática, sobretudo quando se pensa em gastronomia, e a recente popularização de elementos da cultura pop, como filmes, música, moda e literatura, reforçam o apelo do izakaya junto ao público local. "O izakaya é um ponto de encontro de muitas dessas vertentes", garantem. A aparição desses estabelecimentos em mangás, animes e séries ampliou o alcance dessa cultura.
Izakaya Tanuki
Avenida Vicente Machado, 2061, Batel, Curitiba.
Horário: segunda a quinta, das 18h às 23h; sexta e sábado, das 18h à 0h.
Gyozabar
Rua Camões, 1122, Alto da XV.
Horário: diariamente, das 11h às 23h
Oidê
Rua Brigadeiro Franco, 1845.
Horário: terça a sexta, das 19h à 0h30 (cozinha até 0h, bar até 0h30); sábado, das 12h às 14h30 (almoço) e das 19h à 0h30 (jantar).