Bom Gourmet
A hora e a vez da Dona Onça; Janaína Torres Rueda fala de desafios e novos projetos
Por si só, o olhar da chef Janaína Torres Rueda já explicaria o apelido Dona Onça que há alguns anos a acompanha. Mas, tem muito mais do felino caçador típico das matas brasileiras na cozinheira que foi eleita a melhor chef da América Latina pelo 50 Best em 2023 e está à frente do melhor restaurante do Brasil, segundo o mesmo raking, revelado no dia 28 de novembro no Rio de Janeiro.
Assim como o gigante felino, Janaína trabalha com força e estratégia para chegar aos objetivos. Da menina de família pobre do centro de São Paulo à chef no comando do restaurante mais premiado do Brasil, passado por líder de projetos sócio/educacionais, a cozinheira mostra que força, talento e determinação são a chave para alcançar objetivos.
Em entrevista ao Bom Gourmet na manhã que antecedeu a premiação do Latam 50Best 2023 no Copacabana Palace, Janaína contou sobre o processo de separação do chef Jefferson Rueda, com quem ainda mantém a sociedade no A Casa do Porco, falou sobre as influências maternas na sua história e revelou o projeto do seu novo restaurante, que deve abrir as portas em 2025. Confira!
Janaína, as mulheres ainda são minoria quando falamos de posições de liderança e isso acontece também nas cozinhas de alta gastronomia. Como é para você ocupar esse papel de líder e como lidar com os desafios dessa posição?
Eu acredito que você nasce com esse espírito da liderança. Isso de liderar, para mim, sempre foi natural. Mas dentro da própria liderança você aprende que existem alguns momentos em que você precisa recuar também porque a liderança requer algumas estratégias, inclusive de posiciomamento. Por isso, às vezes, a gente recua de alguma atitude, ação, para tomar uma estratégia melhor mais para frente.
Você e o chef Jefferson Rueda foram casados por mais de duas décadas. Em 2022, oficializaram a separação, mas seguem juntos nos negócios, inclusive com você à frente da cozinha do A Casa do Porco. Como tem sido isso para você?
Depois que oficializamos a separaçaõ, eu passei a enxergar o machismo, que até então eu não via. Eu ainda escuto coisas como: não é ela a cozinheira, o ex que é o gênio. Quando, na verdade, nós dois nos complemetávamos e nos complementamos ainda.
Em 2018 o Jefferson começou a se afastar do restaurante e eu a assumir a cozinha. Uma cozinha que até então era desconhecida para mim, porque eu não atuava tão forte no fine dining. Mas eu me fiz aprender. Foi um desafio para mim entrar nessa gastronomia em 2018. Mas eu fiz os cinco últimos menus do A Casa do Porco praticamente sozinha. E são menus onde nós ganhamos inúmeros prêmios. E isso parece que as pessoas esqueceram, ou não viram ou não quiseram ver.
O último menu do Porco é uma criação minha, foi quando eu entrei mesmo na Cozinha da Casa do Porco e me enterrei ali. Mas quando a gente divulga a separação, as opiniões e as manifestações machistas acontecem. E não só de homem. Aliás, fui muito acolhida pelos chefs homens latinos. Mas eu ouvi muitos burburinhos da mídia mais old school brasileira e de mulheres, o que mexeu um pouco comigo.
Você e Jefferson estão hoje em novas relações, mas mantém a sociedade e inclusive recebem prêmios juntos. Como foi essa decisão de continuar juntos nos negócios mesmo estando separados na vida privada?
Eu acredito que você não precisa fingir felicidade em nome de um negócio, de um prêmio. O nosso trabalho continua sendo reconhecido, continua ganhando prêmios mesmo a gente não estando mais junto como casal. Porque A Casa do Porco não tem nada a ver com uma separação pessoal. E isso é importante para outras mulheres que estão em relação infelizes e têm medo de mudar por causa dos negócios. O que eu posso dizer é que é possível. Vai passar por algumas pedras? Vai. Vai ter gente te julgando, com certeza. Mas eu espero que outras mulheres que venham a fazer o mesmo que eu não sejam tão julgadas quanto eu fui.
Quando você fala em ser julgada, a que tipo de situação está se referindo?
Acontecem coisas que ainda me chocam. Ontem aqui na piscina do Copacabana Palace, por exemplo, uma pessoa me perguntou se era verdade que eu não deixava o Jefferson trabalhar na Casa do Porco. Imagine? Eu respondi que ele não vai à Casa do Porco com tanta frequência porque ele ainda não está 100% bem para isso. Ele ainda mora no sítio e vai pouco para São Paulo. Esse tipo de situação ainda é chocante para mim. As pessoa parecem querer colocar a mulher em uma posição ou de vítima ou de megera. Mas eu não gosto de nenhum desses dois lugares.
Janaína, hoje você tem projetos para além do A Casa do Porco, o que prepara para o futuro?
Há muito tempo eu tenho um projeto de um restaurante só meu. Ele só não saiu do papel ainda porque eu tive que assumir A Casa do Porco e não consegui fazer o meu novo projeto. Estou esperando o Jefferson voltar para eu poder sair e me dedicar a esse projeto, que deve ficar pronto em 2025. Em 2024, eu continuo na Casa do Porco e em 2025 vai ser a vez desse meu novo projeto, que segue engavetado há uns cinco anos, mas que logo vou fazer acontecer.
E como vai ser esse novo restaurante?
Vai ser em São Paulo, em um imóvel próximo do A Casa do Porco. Meu projeto é e sempre será falar sobre a cozinha brasileira, sempre é o meu olhar sobre o meu país. Mas agora serão as minhas vivências. As pessoas não conhecem a minha história. Lá atrás, eu não contei a minha história, as pessoas não sabem quem foram os meus avós, a minha ancestralidade ainda não foi contada e esse meu restaurante vai ser sobre isso, a minha ancestralidade.
Você contaria um pouquinho para nós sobre essa ancestralidade agora?
Minha mãe faleceu na pandemia. Minha avó foi mãe solteira e minha mãe também e, assim como eu, ela começou a trabalhar muito cedo. Ela trabalhou com relações públicas de artistas, foi diretora de fã-clubes. Ela trabalhou com o Antônio Marcos, com o Peninha... Depois, trabalhou como relações públicas na Hippopotamos e no Gallery (duas casas noturnas famosas de São Paulo nas décadas de 1980/90). Então, minha casa vivia cheia de cantores e artistas. Uma vez apareceu o bailarino Baryshnikov lá. Era muito natural esse meio artístico na minha casa, eles iam para comemorar, para conversar... E vai ser um pedaço dessa história que eu vou contar nesse novo restaurante. Vai ser um Som Brasil!