Bom Gourmet
3I/Atlas e a Hipótese do Coentro

Foto do 3I/ATLAS feita pelo Observatório Gemini Sul. Crédito: Reprodução
Por Carol Olinda*
Nunca precisei de remédio para dormir. Falo isso com orgulho no meio da roda de amigos quarenta mais que trocam indicações e experiências com indutores do sono. Só não conto a parte que eu fico diariamente até duas da manhã rolando o feed, até meu cérebro virar poeira digital. Deixe que fique entendido nas entrelinhas. Na mesma roda, comento uma notícia que deve fazer pouca diferença em nossa existência cotidiana, mas me tomou horas de atenção por dias. O tipo de interesse típico de quem dorme pouco, ou quase nada.
Começo a contar sobre o 3I/Atlas. Tropecei - em um desses perfis de ufologia - na notícia do visitante interestelar que está cruzando o nosso sistema solar. Vivi minha infância nos anos 90, lógico que o algoritmo sabe da queda que eu tenho pelo tema. Os cientistas ainda não entenderam direito como o viajante estelar se comporta. Parece cometa, mas não faz tudo que esperamos de um. Não surgiu com manual de instruções. É só uma coisa perdida no espaço. Tipo eu, depois de algumas taças de vinho.
Um prato cheio para quem acredita em vida fora da Terra e espera uma salvação - ou nem tanto - cósmica. “E se o 3I/Atlas for uma nave-mãe?”, diz o influencer num podcast de astronomia sensacionalista - meus favoritos. Lá se foi de vez o meu sono, entro na minha própria viagem interestelar imaginária.
Penso no 3I/Atlas chegando luminoso, misterioso, e uma voz dizendo lá de dentro: “Subam humanos, subam aqui. Mas apenas os adoradores do sabor. Apenas aqueles que amam o coentro.” E assim, no meu delírio galáctico, aceito o convite e embarco na nave-mãe.
Sei que vou deixar gente pra trás. Porque, veja bem, infelizmente não se pode ter tudo nessa vida. O André Bezerra, por exemplo, ótimo sujeito, mas prefere ser cético com relação ao melhor tempero verde que há. Meu irmão, que diz por aí ter alergia a coentro (como se isso fosse possível), também será proibido de embarcar, vai ficar por aqui. Eles e todos os outros, os que juram sentir gosto de sabão na moqueca coentruda e que dão muito mais valor à salsinha. Nada contra, mas falta personalidade e sobra um quê de maria-fedida a ela.
Esses ficam.
Eu, por minha vez, vou para um lugar onde ninguém alerta o garçom ao pedir o ceviche: “Sem coentro, tá?”. Um planeta impressionante, onde frango cozido é com coentro, a salada tem coentro, a cerveja tem coentro. Até a sopa da gripe leva coentro. E o garçom sempre pergunta com naturalidade: “Coentro simples ou duplo sem hora pra acabar?”
Como já perdi o sono - são três da madrugada e os passarinhos cantam lá fora - sigo com a minha Hipótese do Coentro. Ainda acrescento o cominho ao meu novo planeta. Nele, esse tempero, nem sempre bem compreendido, perfuma tudo, principalmente as carnes e leguminosas. Tem cominho no feijão, cominho no arroz com lentilha, cominho na carne moída.
Eis o meu astro, meu novo lar em um outro sistema solar. Um lugar onde o sabor prevalece. “Me leve, nave-mãe. Leve-me pra esse globo onde o coentro é rei, o cominho é imperador e ninguém torce o nariz para uma comida carregada no tempero.”
Por fim, o sono vem e, logo, o sol nasce. No café da manhã, penso no cardápio do almoço. Feijão com coentro e cominho já fazem minha boca encher d’água. Durmo com a cabeça nas estrelas. Devaneios envolvem os meus sonhos como os anéis que circundam Saturno.
*CAROLINE OLINDA é head do Bom Gourmet, insone e ouvinte de podcasts de ufologia.


