Bom Gourmet
150 anos dos italianos no RS: o sabor que moldou a cozinha gaúcha com afeto
150 anos dos italianos no Rio Grande do Sul! Em 1875, as primeiras levas de imigrantes italianos desembarcaram no território gaúcho. Instalados majoritariamente na Serra Gaúcha, em colônias como Bento Gonçalves, Caxias do Sul e Garibaldi, os italianos foram fundamentais na formação da identidade cultural e gastronômica do estado. Trouxeram na bagagem, além de ferramentas, a memória afetiva dos sabores da terra natal. Herança que, um século e meio depois, segue viva nas mesas gaúchas.
A cozinha, para esses imigrantes, não era apenas uma questão de alimentação, mas um elo com suas raízes. E foi assim que massas, queijos, vinhos, salames e, claro, a onipresente polenta se tornaram pilares da culinária do sul do Brasil.

O que a Itália ensinou à mesa gaúcha
Se no início a alimentação era questão de sobrevivência — rica em calorias para sustentar o pesado trabalho agrícola —, rapidamente os sabores se transformaram em rituais de celebração da vida em comunidade. A polenta, inicialmente servida sobre tábuas de madeira e cortada com barbante, virou símbolo de resistência e fartura.
A cozinha dos imigrantes estruturou-se em torno de alimentos de fácil cultivo e conservação. Massas caseiras, feitas aos domingos em processos quase cerimoniais, acompanhavam molhos robustos, carnes de porco, galetos e o brodo — caldo quente e reconfortante preparado tradicionalmente em ocasiões especiais, como nascimento de filhos ou bodas.
As receitas não eram apenas uma questão de paladar, mas de pertencimento. Cozinhar e partilhar refeições fortalecia o senso de comunidade e ajudava os imigrantes a manterem-se conectados às suas origens. Nos filós, encontros comunitários típicos, o alimento estava no centro: mesa farta de cucas, biscoitos coloniais, queijos, vinhos doces, frutas da estação e muita conversa regada a música e histórias.
Os sabores que a Itália trouxe: da polenta ao vinho
Nestes 150 anos dos italianos no Rio Grande do Sul, a culinária trazida por esta etnia foi muito além do “comer por comer”. Tornou-se uma ponte com as raízes. Na base dessa tradição, a polenta ganhou protagonismo. Cozida lentamente e servida sobre tábuas, era cortada com barbante. As sobras, brustoladas, eram reaproveitadas no café da manhã, mostrando a criatividade e o aproveitamento total dos alimentos.
As massas frescas, como tortei, capelletti e gnocchi, também se consolidaram como marcas desse legado. Preparadas de forma artesanal, eram cardápio dos almoços de domingo e datas festivas, sempre acompanhadas de molhos fartos e carnes.
O galeto, hoje um dos pratos mais emblemáticos dos rodízios gaúchos, surgiu como adaptação da tradicional passarinhada italiana. Ao lado dele, queijos coloniais, salames e embutidos mantinham a tradição dos processos artesanais, herdados das cantinas familiares.
E, claro, o vinho. As técnicas trazidas do norte da Itália transformaram a Serra Gaúcha em um dos maiores polos vitivinícolas do país. Mais do que bebida, o vinho sempre foi símbolo de celebração, trabalho coletivo e partilha, presente nos filós, nas festas e em cada refeição.
Na mesa, os italianos encontraram não só alimento, mas também uma forma de manter viva a cultura, reafirmando sua identidade em uma nova terra.

Um repertório de legados que atravessam gerações
Mais do que sabores, estes 150 anos dos italianos no Rio Grande do Sul deixou uma filosofia de vida em torno da comida. O ato de cozinhar e, sobretudo, de partilhar a refeição, não é apenas um gesto cotidiano — é a expressão de uma identidade.
Ao longo dos anos, os descendentes dos imigrantes mantiveram vivos os rituais gastronômicos. O domingo ainda é, em muitas famílias, sinônimo de mesa cheia. As festas da colheita, como a vindima, continuam a reunir gerações em torno do trabalho coletivo seguido da celebração.
Nos restaurantes da Serra, nas cantinas das colônias e até nos rodízios das grandes cidades, pratos que um dia foram estratégias de sobrevivência se transformaram em símbolos de fartura e hospitalidade. A cozinha ítalo-gaúcha não é uma réplica da italiana: ela é uma reinvenção, feita a partir dos ingredientes disponíveis e da adaptação ao contexto local.
O vinho, que começou como produção artesanal nos porões das casas, hoje sustenta uma indústria pujante, com vinícolas premiadas internacionalmente. A fabricação de queijos, embutidos e massas também virou motor econômico, mantendo vivas práticas centenárias.
Mais do que uma herança gastronômica, os 150 anos dos italianos no Rio Grande do Sul representam uma celebração da memória, da resistência cultural e do prazer de estar à mesa — porque, para quem tem sangue italiano correndo nas veias (ou foi adotado por essa cultura), comer junto é um ato de amor e de pertencimento.