Restaurantes
Sem plano de negócios, restaurante em Curitiba alça voo com conceito slow food
O fornecedor chega com um carregamento de fubá fresco, que ele fez com milho orgânico da sua propriedade rural. Esta é a deixa para Camila e Amanda, da Central do Abacaxi, em Curitiba, definirem o cardápio do dia: polenta, em variações com carne de panela, costelinha de porco ou ao molho de tomate. Em meio aos afazeres da cozinha, elas postam nas redes sociais as opções, diferentes a cada dia. Os pratos do dia custam entre R$ 25 e R$ 40. Prepare-se, é difícil resistir.

Esta “casa de comer”, que foge das regras de um restaurante convencional, conquista fácil o cliente. Seja pelos produtos frescos, adquiridos de produtores amigos, seja pelo projeto de consumo consciente e slow food, onde satisfação é palavra de ordem. Há ainda uma sala com atrações para crianças, a simpatia de quem cozinha ou atende e a alegria colorida da casa, que nos dias de sol tem mesinhas na calçada da Alameda Júlia da Costa, nas Mercês. Não se comove com nada disso? Espere pela comida.
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Um dos pratos mais pedidos é o pierogi, feito de massa fresca aberta na hora. Clientes rezam para encontrá-lo no cardápio, mas não é sempre. E, na verdade, não há como se chatear, ao ver que entre as opções do dia tem risoto de banana-pão, nhoque de batata com ragu de pancetta ou bisteca com pirão de feijão e bolinho de arroz, por exemplo. De resto há sanduíches, saladas, sucos, sobremesas e café coado.

O fogão é comandado por Amanda Kosinski, 29 anos. Tão nova e já cozinha com o temperinho experiente de uma avó – é essa a sensação de quem prova de seus pratos. Camila Lovato, 30, se dedica à criação dos cardápios e à pesquisa de receitas. Elas estão comemorando um ano do estabelecimento, inaugurado em 15 de outubro de 2016. E no fim do mês serão três anos da Central do Abacaxi, que na origem era itinerante. Começaram vendendo sanduíches na bicicleta na Virada Cultural de Curitiba. Depois avançaram sobre espaços colaborativos. Cansaram de levar fogareiro e botijão para lá e para cá, e decidiram se fixar.
Projeto nada fácil para quem não tinha dinheiro. Para ficar com o ponto na Júlia da Costa, transformaram uma das saletas em quarto e abriram mão do apartamento onde moravam. Fizeram a reforma aos poucos, com o dinheiro que entrava do trabalho diário. Sem repertório de empreendedoras, foram buscar consultoria no Sebrae. Mas não se adaptaram. “Desistimos, o formato que pretendíamos era muito diferente do que apresentaram ali”, conta Camila. Aconteceu, então, o inverso. Há alguns meses, uma turma do Sebrae pesquisando sobre projetos alternativos foi conhecer a Central de perto e ouvir das sócias a rotina empresarial. Bem peculiar, de fato.
Casa de comer
O horário de funcionamento é o que mais intriga os aspirantes a empresários. “Seria uma seita?”, foi uma das perguntas feitas a uma pesquisadora que apresentou o projeto da Central em terras inglesas. A semana na Central do Abacaxi começa na quarta-feira e vai até domingo, sempre das 12 às 19 horas. O horário faz parte do próprio conceito da “casa de comer”. “Não abrimos mão de comprar os produtos, preparar o cardápio, fazer a comida. Se fosse para abrir todos os dias, não daríamos conta”, explica Camila. Até o mês passado, elas abriam de quinta a domingo, mas seguiam até tarde da noite. Não aguentaram, ficavam muito cansadas para acordar no dia seguinte e ir cedinho à feira.

Por enquanto, o resultado tem sido satisfatório, conta Camila. O estabelecimento, para espanto dos estudiosos, não tem plano de negócios. Mas já conta com três funcionárias: Kamila, Bárbara e Maria. “Temos os pés no chão. Sabemos que precisamos crescer, ter dinheiro, pagar os salários. Mas não queremos perder nossa identidade. Do jeito que estamos temos motivação para fazer tudo com carinho. Se tivéssemos que todo dia cozinhar as mesmas coisas, para facilitar a vida dos clientes e até a nossa, logo ia perder a graça”, explica Camila.
Quando Camila e Amanda decidiram abrir um negócio próprio, o abacaxi foi escolhido como logomarca. O nome demorou um pouco e veio ao acaso, quando viram uma caixa de feira em um dos espaços colaborativos que frequentavam. Depois descobriram que Central do Abacaxi era um antigo box na Ceasa.
Com o nome escolhido e muita disposição, foram para as ruas. Encontraram um ambiente propício: nos últimos anos Curitiba se tornou palco de vários eventos ao céu aberto, além de abrigar espaços colaborativos onde podiam cozinhar. Mas, para trocar os sanduíches vendidos na bicicleta por refeições completas, precisavam de ferramentas. Como fazer? Não tinham dinheiro para comprar frigideiras, nem nada. Ao celebrar um ano de Central do Abacaxi, fizeram um chá de panela. “Foi uma festa com DJs e nós do lado, como se fosse o show principal, cozinhando sem parar. Em troca, as pessoas nos presentearam e levaram presentes que colocamos na lista”, conta Amanda. Muitos utensílios usados por elas atualmente são daquela ocasião. É comum elas chamarem as panelas pelo nome de quem as presenteou. “Quando estamos definindo o cardápio combinamos coisas do tipo: vamos fazer o molho vermelho na Lara”.
Serviço