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Valorize o azeite de oliva: frite, coloque na sobremesa e use sem moderação
Quando o azeite extravirgem desembarcou nas cozinhas de casa, por volta de 1980 nos Estados Unidos e no final dos anos 1990 no Brasil, trouxe com ele uma série de mitos. Você não pode usá-lo para cozinhar no dia a dia. Não pode usá-lo para frituras de imersão. Deve guardar a sete chaves seu melhor azeite e apenas usá-lo para, ocasionalmente, regar algum prato.

Nada disso é verdade: o azeite de oliva é um óleo excelente para todos os tipos de preparo, mas, na época, era caro demais para os cozinheiros usarem irrestritamente.
Nesse meio-tempo, o preço caiu, mas a demanda global cresceu muito além da oferta e toda a indústria foi transformada pela tecnologia, pelo comércio global e pelas mudanças climáticas.
Além disso, sofreu muitas adulterações, com milhões de consumidores ao redor do mundo pagando regularmente por azeite “extravirgem” e levando para casa um produto feito com insumos de qualidade inferior, misturado com óleos mais baratos, como o de girassol e o de canola, ou colorido com clorofila ou betacaroteno.
De olho no rótulo
Os rótulos se transformaram em um campo minado, apesar dos esforços da União Europeia, onde a maior parte do azeite mundial é produzida, para impor regras e fazer distinções relevantes entre termos como “feito na Itália”, “importado da Itália” e “envasado na Itália”.
O sistema de certificação alimentícia da União Europeia (que, no rótulo, aparece com o selo DOP ou PDO) é relativamente confiável. Mesmo assim, os termos “extravirgem” (que significa a primeiríssima prensagem), “primeira prensagem” e “prensagem a frio” não ajudam mais como antes, já que a maioria dos produtores trocou as prensas por centrífugas modernas, que produzem óleos mais puros e limpos.

Portanto, agora estamos de volta à era do mito, visto que os rótulos estão mais difíceis do que nunca de interpretar e confiar. Mesmo um rótulo confiável diz pouco sobre o sabor e dá poucas dicas para nos ajudar a saber se vamos ou não gostar do produto.
Mais do que as bandeiras na garrafa, as variedades de azeitona, a coloração do líquido – verde-grama ou amarelo-manteiga –, muitos especialistas e produtores dizem agora que o fator mais relevante para indicar se o azeite é gostoso é saber se ele está fresco.
Supondo que as azeitonas são saudáveis e de boa qualidade, o tempo que elas levam da árvore para dentro da garrafa e, então, para sua despensa pode ser mais determinante para o sabor do seu azeite do que qualquer outra coisa dita no rótulo (embora um azeite designado como “extravirgem” provavelmente seja melhor do que o produto que não carrega essa classificação).
“Não use com moderação”
O azeite de oliva é perecível, sensível à luz e ao calor, e começa a se degradar assim que é exposto ao oxigênio, assim como uma maçã escurece quando é partida ao meio e começa o processo de deterioração. Não é como o vinho, que se beneficia do envelhecimento, nem como o vinagre, que pode durar anos sem alteração substancial de sabor. Uma vez aberta, uma garrafa de azeite de oliva manterá o sabor ideal por três a quatro semanas.
“O azeite de oliva está mais próximo de um suco de fruta natural do que do óleo de cozinha“, ensinou Nicholas Coleman, degustador profissional e ex-especialista em azeite de oliva do Eataly nos EUA. Ele acrescentou que a maioria dos óleos de cozinha – como o de canola e o de girassol – é prensada a partir das sementes, e não do fruto.
Entender que o azeite de oliva é um produto perecível ensina duas lições aos cozinheiros domésticos. A primeira: devemos tentar escolher o azeite de acordo com a idade; ele deve ser consumido até dois anos depois do envase. Segunda: devemos, sim, usar muito mais o produto, para que ele não fique esquecido no armário e seja usado enquanto ainda estiver fresco e vibrante.

“Existe um ditado sobre como usar o azeite: ‘Sirva com o cotovelo bem levantado‘”, contou Lior Lev Sercarz, cuja empresa, a La Boîte, fornece os tipos mais frescos, além de misturas personalizadas de temperos, para os melhores chefs de Nova York. Sua família fabrica a própria produção anual de azeite em uma pequena fazenda no norte de Israel.
“Não use com moderação“, aconselhou Coleman, que vende ótimos azeites de oliva para restaurantes e, a cada três meses, envia exemplares para os assinantes de seu site, Grove and Vine.
Em países europeus, como Grécia, Itália e Espanha, o cidadão consome, em média, cerca de 20 litros de azeite por ano – durante o mesmo período, os estadunidenses usam menos de um litro cada um. Uma salada grega feita com tomates e pepinos, chamada de horiatiki, é temperada com uma chuva de azeite, além de receber croutons tostados com azeite e fatias de queijo halloumi grelhadas no azeite.
Fritando o tabu
Ao contrário do que muitos cozinheiros foram levados a acreditar, o bom azeite deve ser usado para todos os tipos de preparos cotidianos na cozinha, inclusive na fritura submersa.
“Todos ficam horrorizados sempre que me veem derramar o azeite, pois uso muito mais do que um cozinheiro americano. Quando você usa bastante, tem um caleidoscópio de sabores de azeitona no prato. Você dá mais espaço à complexidade”, ilustrou Frank Prisinzano, chef e proprietário de três restaurantes italianos em Manhattan.
Da costa do Adriático, ele disse à reportagem, por telefone, que os melhores pratos de verão na Itália, opções simples de frutos do mar temperados apenas com suco de limão e azeite, são sempre servidos em temperatura branda ou morna. “O azeite nunca deve conhecer o interior de uma geladeira. Tira a riqueza do sabor”, alertou.
A maior parte dos grandes produtores ainda não inclui a data da colheita no rótulo. Os pequenos, especialmente aqueles que praticam os preços mais altos, normalmente o fazem. Os produtores europeus são obrigados a informar uma data de vencimento na embalagem, normalmente dois anos a partir do envase, mas não há exigência de informar a idade do azeite no dia em que foi para a garrafa.
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos não exige que seja informada nenhuma data no rótulo dos azeites de oliva, nem mesmo um limite para consumo ou venda. A melhor maneira de assegurar a compra de um azeite fresco é simplesmente encontrar uma marca em que você confie e que traga a data no rótulo, e ser fiel a ela.
No Rancho California Olive, em Chico, Califórnia, todas as garrafas são rotuladas com data e todas as azeitonas são prensadas até oito horas após a colheita, garantiu Jim Lipman, o diretor de tecnologia agrícola da empresa. Mesmo nessa janela de oito horas, a fruta permanece constantemente sob temperatura controlada e é monitorada para detectar sinais de deterioração.
Desde que a empresa foi fundada, em 1998, seu compromisso de manter uma cadeia de suprimentos controlada e usar apenas azeitonas produzidas na Califórnia é parte do sucesso da marca. Hoje em dia, é a maior produtora dos Estados Unidos. No ano passado, devido a uma safra desastrosa de azeitonas, a empresa, pela primeira vez, passou a importar azeite de outros lugares. Lipman disse que os novos fornecedores, em Portugal, Argentina e outros países, atendem aos mesmos padrões de produção.
No Brasil, a região com maior produção de azeite de oliva é no Rio Grande do Sul, com quase 80% do mercado. No entanto, garantir o frescor não é fácil. Assim como um caixote de maçãs pode ter uma fruta estragada, em um tonel com milhares de azeitonas possivelmente haverá algumas um pouco machucadas, com fungos ou rachaduras, e é aí que a deterioração pode começar, de imediato, e se espalhar rapidamente. “Uma vez disparada qualquer reação, ela não para”, disse Lipman.
Sercarz, o comerciante de temperos, contou que seu pai, Moshe, é ainda mais exigente em relação ao frescor. Mesmo que isso signifique levar as azeitonas para a prensa à meia-noite, ele faz questão de que elas passem pelo processo no máximo até cinco horas após a colheita. “Se você pensar no azeite como um produto que precisa ser escolhido da mesma maneira que as frutas e os legumes, dando atenção ao viço e à qualidade, sua vida vai mudar”, comparou Sercarz.
Mesmo em sobremesas, ele contou que prefere usar azeite em vez de manteiga – que também é deliciosa por si só, mas pode reprimir outros sabores, como os mais apimentados e cítricos. O bolo de azeite apresentado no novo livro de culinária de Sercarz, “Mastering Spice”, incrementado com laranja, cardamomo e pimenta-preta, é um argumento bastante persuasivo de que o azeite merece mais protagonismo em nossa culinária. “O azeite é um ingrediente, não um condimento“, concluiu.