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Profissão bartender: os bastidores de uma figura badalada de bares e restaurantes

Andrea Torrente
18/02/2018 13:45
Numa coqueteleira, adicione uma pitada de ciência, um toque de alquimia, criatividade sem limites e uma boa dose de cordialidade, misture bem e você terá o profissional mais badalado da gastronomia contemporânea: o bartender ou, se preferir, a definição que está na moda atualmente: o mixologista.
Os dois termos são usados com frequência como sinônimos, embora haja algumas diferenças. O mixologista é considerado um cargo acima do bartender. Para fazer uma comparação com a cozinha de um restaurante, o bartender seria o cozinheiro, enquanto o mixologista o chef.
Igor Bispo, considerado o decano da coquetelaria em Curitiba: “todo bartender deveria ser mixologista”. Foto: Mariana Quintana.
Igor Bispo, considerado o decano da coquetelaria em Curitiba: “todo bartender deveria ser mixologista”. Foto: Mariana Quintana.
“Mixologista é uma definição meio nublada. Podemos dizer que é o pessoal mais estudioso: é o cara que estuda termodinâmica, mecânica dos fluidos, mapa de sabores dos coquetéis. Tem um approach mais científico”, explica Igor Bispo, decano da coquetelaria em Curitiba e, atualmente, responsável pela região Sul da marca francesa de xaropes e licores Monin.
Enquanto o mixologista pesquisa, testa, cria cartas de drinks, presta consultorias em bares e restaurantes, o bartender (ou barman, barwoman se for mulher) é o profissional que fica atrás do balcão no dia a dia. Apesar das diferenças teóricas, na maioria dos bares, as duas figuras se sobrepõem. “Eu não me considero mixologista. Antigamente até ficava bravo quando me chamavam assim, hoje aceito. No mundo ideal todo bartender deveria ser mixologista”, afirma Bispo. Ou seja, dominar teoria e prática.

Renascimento da coquetelaria

Com a explosão da coquetelaria no Brasil e no mundo, a figura do bartender ganhou espaço no mercado. Bares especializados se multiplicam e renomados restaurantes ampliaram a carta de bebidas apostando em drinks clássicos como gim tônica, Aperol spritz, além das mil variações de caipirinhas e dos coquetéis autorais.
Pablo Moya, do grupo TAJ: “O objetivo do bartender é interagir com cliente e oferecer uma noite agradável”. Foto: Divulgação
Pablo Moya, do grupo TAJ: “O objetivo do bartender é interagir com cliente e oferecer uma noite agradável”. Foto: Divulgação
“Viajei por todo o país e vi que o Brasil evoluiu muito. Muitos campeonatos e meetings são realizados todo ano, os empresários começaram a investir”, afirma o paulista Pablo Moya, 40, bar manager do Grupo TAJ. “Como profissionais não deixamos a desejar se comparado aos principais países, mas o problema ainda é que não temos acesso a tudo: bebidas e ingredientes são muito caros por causa da tributação”, aponta Moya.
O que surgiu como tendência há cerca de uma década, hoje é considerada um pilar da gastronomia. “Nosso potencial é enorme: somos um povo hospitaleiro e temos acesso a produtos naturais que não existem em outros países”, aposta Bispo.

O bom bartender

Hospitalidade, inclusive, é característica essencial de um bom bartender, além do domínio da técnica. “O bar é poesia demais para ser ciência e ciência demais para ser poesia. Tem que ter approach científico, mas o resultado final é humano”, filosofa Bispo.
Quem nunca olhou atrás do balcão de um moderno bar de coquetéis, talvez se surpreenda ao descobrir que os bartenders contemporâneos usam antigas técnicas culinárias aliadas a maquinários de vanguarda. O defumador é usado para dar um toque aromático às bebidas, o termocirculador (equipamento que mantém em banho maria em temperatura constante) cozinha ingredientes a vácuo para extrair todas as características organolépticas, e as barricas de carvalho servem para envelhecer drinks, como acontece com os vinhos e destilados.
Mas só a técnica primorosa, sem empatia com a clientela, não faz um bom profissional. “O objetivo do bartender é interagir com cliente e oferecer uma noite agradável. Hoje há um monte de mixólogos da internet: em vídeos fazem coisas incríveis, mas no bar não oferecem a mesma experiência ao cliente”, diz Moya.
“Atendimento e hospitalidade são conceitos que estão voltando com muita força”, avalia Moya. “Os melhores bares de Nova York, além de ter um conceito sólido, ambiente agradável, a bebida como diferencial e a comida boa, têm um atendimento impecável. Fiquei impressionado com a velocidade e o conhecimento da equipe”, diz o mixologista.

Glamour

O grande cuidado com os detalhes não só no serviço, mas também no visual, é característica de todo bartender que se preze. O segredo é misturar na dose certa elegância e originalidade. Camisa branca, colete escuro, tatuagens à vista, barbas ou bigodes a la Salvador Dalí e, por que não, uma cartola, tornam o mixologista a figura mais glamourosa da gastronomia contemporânea.
Augusto Segan: apesar do glamour, rotina do bartender é bastante exaustiva. Foto: Divulgação
Augusto Segan: apesar do glamour, rotina do bartender é bastante exaustiva. Foto: Divulgação
O estilo é o que caracteriza os profissionais desde os primórdios da coquetelaria: no fim de 1800, o bartender ficava no topo da classe trabalhadora e era obrigado a usar trajes formais pelo contexto em que trabalhava: hotéis e restaurantes de luxo. “A elegância é para demonstrar que não só cuidamos dos drinks que servimos, mas também de nós”, diz Bispo.
“A glamourização começou com a maior procura dos clientes por bebidas sofisticadas. Percebendo isso, os donos dos bares começaram a investir em insumos melhores, como copos e taças”, avalia Augusto Segan, 25, bartender da nova geração curitibana e dono da DesteLado, empresa de consultoria e eventos. “O problema da glamourização é que as pessoas pensam que elas não podem fazer drinks, que tem que ser um cara de camisa, todo tatuado, com um determinado perfil, e não é bem assim”, afirma.

Rotina

Mas, atrás do glamour, há uma rotina cansativa. “A pior parte é aguentar de pé. Cansa, dói”, descreve Segan. O expediente num bar de drinks começa duas horas antes da abertura da casa. É preciso receber a entrega das bebidas, resfriar as garrafas e preparar a praça: higienizar as frutas, fazer os xaropes, os cordials e os bitters.
“Depois vêm as horas chatas em que o bar está aberto, mas não tem ninguém. É um teste de paciência para quem é hiperativo”, brinca Bispo. “E de repente chega a hora do ‘bang’ e a impressora começa a cuspir pedidos: tem que ter controle, fazer coquetéis, falar com as pessoas. Quem é multitarefa vai ser bartender de sucesso”.
Como na cozinha de um restaurante, antes de ir para casa, ainda precisa limpar o balcão e deixar tudo organizado para o dia seguinte. “Precisa ter paixão e cometer algum sacrifício, abrir mão da vida pessoal: vai faltar no aniversario da vó, não tem fim de semana livre, vai trabalhar até 16 horas por dia. Exige disposição física e mental”, resume Bispo.

Formação e salário

O dia a dia atrás do balcão se aprende na “marra”. Diferentemente de outras vertentes da gastronomia, atualmente não há cursos universitários voltados para a coquetelaria no Brasil. Algumas escolas profissionalizantes oferecem cursos técnicos e mixologistas reconhecidos ministram aulas e workshops.
Para quem quer começar na área, os profissionais recomendam aprender inglês para ter acesso à literatura estrangeira, muito mais rica que a brasileira, acompanhar as tendências na internet e se relacionar com os outros bartenders da cidade para trocar experiências e fazer networking.
Em Curitiba, os salários começam em R$ 1,5 mil para os iniciantes e giram em torno de R$ 2 a 2,5 mil em média. Já em São Paulo, os melhores bartenders ganham entre R$ 4 e 6 mil, podendo chegar a R$ 10 mil no caso dos mais premiados e com mais tempo de carreira.
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